domingo, 27 de julho de 2014

Quando minhas escolhas transgrediram minhas convicções.

Desmamar por pressão? Ou deixar que mame enquanto queira?

Há algum um tempo, eu escrevi um texto para uma campanha virtual de apoio à amamentação que se iniciou com base na denúncia de uma foto minha amamentando minha filha que eu havia publicado no facebook, na época Manuela tinha 1 ano e 11 meses.

A campanha que tomou força pela motivação das minhas amigas em defender o direito de amamentar, foi um mega “trabalho” de conscientização, que tomou proporções incríveis. Eu escrevi o texto na época, e por algum motivo não o publiquei. Não me lembro bem porque. O texto falava sobre o movimento, sobre o pudor distorcido da sociedade, sobre o preconceito contra amamentação em publico, falava sobre a importância da amamentação, das delicias que ela traz, de como amamentação prolongada (além dos dois anos) traz benefícios para a criança, tanto física quanto psicologicamente. Eu discursei “lindamente” sobre essa 8º maravilha do mundo: amamentação. E tinha bases para isso, bases científicas inclusive, de estudos sérios. Era convicta de que amamentaria sem “prazo de validade”.

Encontrei o texto por acaso, nos arquivos do meu computador, e li ele todo. Acontece que eu encontrei esse texto na hora exata, em que precisava de um “choque de realidade”, no momento em que eu mesma precisava rever meus conceitos, e resgatar minhas raízes de mãe mamífera que sou.  

É que eu andava muito confusa com a questão do desmame. Não sabia dizer se era hora ou não era. Hoje Manuela está com 2 anos e 1 mês (quase dois). E me peguei confusa sobre minhas próprias convicções, que sempre me disseram que eu deveria amamentar até quando pudesse, até quando ela não quisesse mais, até quando nós duas nos sentíssemos confortáveis. Mas, debaixo de uma pressão social, vinda inclusive de familiares muito próximos, comecei a me questionar quanto a essas convicções. E fiquei insegura com relação à minha própria escolha sobre essa amamentação prolongada. Seria essa atitude realmente prejudicial como me dizem o tempo todo? Estaria ela já grande demais para mamar no peito?

Eu realmente estava (e estou) muito cansada dos olhares reprovativos, das pessoas “boquiabertas” ao me verem amamentando uma criança grande como Manu. Até porque, ela é quase uma adolescente né? Ao auge dos seus quase 26 meses de vida, ela já pode ser considerada alguém que precisa ser independente né? SÓ QUE NÃO! Não mesmo... Mas cansa muito ter que discursar incansavelmente sobre os motivos que me levaram a amamenta-la até hoje. Cansa ter que lidar com o constrangimento que sinto cada vez que Manu quer mamar e eu estou num lugar público, ou cheio de gente em volta. Cansa muito olhar para as pessoas e vê-las com aquele olhar pasmado por verem que ainda ofereço meu seio materno à minha pequena grande bebê.

Toda essa pressão que venho sofrendo, e que vem me cansando dia após dia, foi me impulsionando a por em cheque o nosso momento mais íntimo e mais delicioso: Estaria eu, agindo corretamente, permitindo que minha filha ainda mame no meu seio?  Estaria eu sendo egoísta por não querer romper esse vínculo? Será que tá todo mundo certo, e eu errada?

As dúvidas foram tamanhas que eu cedi à pressão, minha estrutura materna abalada e fragilizada, se rendeu ao “socialmente correto”, e eu achei que tinha que desmamar Manuela. Afinal, ela já tem dois anos. Mas o meu coração não se convencia disso. Eu não estive segura em nenhum momento quando falava em desmame. Mas ainda assim, eu falava nele com autoridade, afinal de contas eu tinha que fazer isso em algum momento, e tinha que ser firme, então que fosse agora. Né?

Eu fui tentando me convencer de que aquilo era mesmo necessário, eu falava com algumas amigas mães de um grupo que participo de bebês da mesma idade da Manu (onde todos ou a maioria já foi desmamado há muito tempo), e desabafava: “Estou me preparando psicologicamente para o desmame! Preciso me preparar para ser forte, pois certamente é mais difícil pra mim do que pra ela”.

Vejam a situação, nem mesmo eu, conseguia me convencer de que estava agindo da maneira adequada. Eu me questionava como um momento tão lindo e tão prazeroso pra mim e pra ela poderia ser algo ruim. E se era, porque eu não conseguia me convencer disso?

O problema é que os filhos pequenos são o reflexo direto da mãe. As frustrações da mãe, a ansiedade, a insegurança é refletida diretamente neles, e eles reagem a isso, então não seria difícil apenas pra mim, mas pra ela também. Às vezes nem mesmo nós, “as mães” percebemos nossa ansiedade, mas nossos bebês sentem e refletem isso. (Vale ler “A Maternidade e o Encontro com a Própria Sombra” de Laura Gutman que fala sobre o assunto, e é no mínimo esclarecedor).

Em meio às pesquisas por um copo de treinamento adequado para substituir as mamadas com “leite de vaca”, meu coração ficava apertado, eu tinha vontade de gritar comigo mesma e dizer: NÃO LAÍS! Para tudo!!! Você não está agindo da maneira correta. Agora não é o momento. Nem para você e nem para ela.” Mas eu não ouvia a voz da minha razão, porque a confundia com a voz da emoção.

Segui com o plano, e comecei a negar o peito para a Manuela, expliquei que ela só iria mamar em casa e para dormir à noite. De dia não mais. De manhã tomaria leite no copinho, e a tarde quando eu chegasse do trabalho para pegá-la na vovó não iria mamar. O plano era simples, tirar as mamadas do dia, e aos poucos tirar a mamada da hora de dormir a noite. Na teoria, tudo perfeito. Queria ir com calma, para não ser um processo traumatizante. Acontece que as primeiras tentativas foram um fracasso. Ela choramingava a casa 5 minutos pedindo pelo “tetê” de manhã, e depois quando eu chegava do trabalho, mesmo que eu desviasse a atenção dela com outras coisas, e eu acabava cedendo. Martirizava depois: “Mãe mole que sou! Tenho que ser mais forte. Não posso fraquejar desse jeito”. Mas ao mesmo tempo me deliciava com ela sugando meu peito, se nutrindo do meu leite, olhando nos meus olhos e acarinhando meus cabelos.

Mas eu insisti. Num dia à noite, preparei um leite pra ela, e ofereci, ela prontamente aceitou, ama leite. Eu tinha certeza de que ela não iria pedir o peito na hora de dormir, pois estava de barriga cheia. A essas alturas, eu tinha mudado de estratégia, ia começar tirando o tetê da noite. Se tinha muito sentido ou não, eu já nem sabia mais. Mas estava determinada. Ela tomou o leite, quase todo, olhou pra mim e disse: “Agola tetê mamãe! Manu vai naná.”
Ploft... Meu mundo caiu! Meu plano ia por água abaixo, o leite no copinho não funcionou. E mais uma tentativa havia sido uma derrota. Inicialmente eu hesitei, não ia dar o peito, ia fazê-la dormir sem tetê. Masss... O meu coração me dizia que não precisava ser assim, eu não precisava sofrer daquela maneira, e nem fazê-la sofrer.

Onde estariam perdidas as velhas convicções sobre a amamentação prolongada, de que há um processo natural de desmame sem ansiedade, e sem traumas? Onde eu havia guardado a caixinha que continham informações importantes sobre como as crianças que são amadas e amparadas passam pelo processo de desmame normalmente antes dos quatro anos? Onde eu enfiei aquela frase boa que sempre usei de que tinha certeza que ela não iria mamar até os quinze anos? Quem era eu naquele momento?

Eu não era mais nada do que vinha sendo nos últimos dois anos. Eu era alguém sufocada pela ideologia social de independência precoce. Eu era alguém que havia sucumbido às necessidades da sociedade de criar seres humanos apartados de vínculo e suporte afetivo, pela ideia midiática de separação para ter independência desde recém-nascido. Eu era alguém mutilada pela pressão vinculada a ideia equivocada da sociedade moderna de que bebês tem que dormir em seus próprios quartos, e desmamar antes de um ano de idade, porque fazer diferente disso é criar adultos dependentes e mimados (oi?). Eu era uma mãe que nunca desejei ser, que estava se entregando aos poucos às mazelas da sociedade moderna e esquecendo os princípios da criação com apego à qual tanto me orgulhava de praticar. E tudo porque eu me esqueci de quem eu era, e de quem sempre quis ser, como mãe, como mulher e como ser humano.

Ser mãe nunca foi, e nem nunca será uma tarefa fácil. Longe disso. Tomar decisões que diz respeito à vida de alguém a quem tanto se ama, decisões que poderão refletir na vida dos nossos filhos para sempre, é muito difícil, é uma responsabilidade enorme. E decidir amamentar ou desmamar era um problema pra mim, eu duvidava de que era a hora, mas não tinha certeza se deveria continuar.

Mas como poderia eu discursar sobre as maravilhas da amamentação prolongadas, a qual eu tanto dou crédito e deposito esperanças, como eu iria falar sobre todas as alegrias da amamentação, se eu mesma estava sucumbido à pressão social e abandonando essa prática linda de amor? Eu não poderia mais discursar sobre o empoderamento da mulher para parir e amamentar se eu mesma não tinha esse empoderamento para enfrentar as críticas e olhares maldosos ao amamentar minha filha, se eu não tinha esse empoderamento para superar mais esse obstáculo que se impunha entre nós duas e a amamentação?

Pronto! Estava feito. Se antes eu duvidava da minha capacidade para desmamar, agora então eu duvidava da minha capacidade de interromper um processo de desmame, que desde o inicio foi um projeto falido. Eu precisava de um choque de realidade. De um empurrãozinho. Ou melhor, de um chute na “bunda” para ir para frente, e largar a mão de ser tão boba e dar importância para o que os outros falam. E ele veio. Uma amiga, a quem tenho um carinho especial, embora tenhamos pouco contato, veio falar comigo sobre outros assuntos, no chat de uma rede social. E lá pelo meio da conversa, entramos no assunto desmame. E quando eu disse a ela que estava desmamando Manuela, ela respondeu: “Pensei que você ia amamentar ela até quando ela quisesse. Porque vai desmamar agora?”.

Plaft! Eis uma tapa na cara daqueles que o autor nem tem intensão e nem sabe que está dando, mas que o “recebedor” sabe muito bem que dói, e que o manda para o mais profundo abismo, aquele abismo da dúvida da alma. Se ela dizia isso, é porque eu sempre fui firme quanto a isso. Rapidamente comecei a me justificar, e caí num desabafo sem fim, falando da pressão, dos olhares reprovativos, do quanto aquilo me incomodava e chateava. Ela, sem nem saber o bem que me fazia naquele momento com aquelas palavras, foi dizendo que eu não deveria ligar para aquilo, que eu tinha fazer o que meu coração mandava o que eu julgava melhor para mim e minha filha, porque ninguém tinha nada a ver com a nossa vida, e nem com as nossas escolhas, mesmo porque ninguém pagava as nossas contas. FATO! I-N-D-I-S-C-U-T-Í-V-E-L!
Foi então que caí em mim, e as palavras dela fizeram algum sentido. Eu precisei de um verdadeiro “chute na bunda” para entender que:

- Eu amo amamentar e não acho que agora é o momento certo para interromper isso;

- Manuela não é dependente do meu peito, e mesmo que fosse ela é uma criança de apenas dois anos, e terá a vida inteira para alcançar sua independência. Amamentar não interfere nesse processo e nem cria adultos problemáticos ou dependentes.

- Eu tenho que bancar minhas escolhas com base naquilo que eu acredito, e não no que as outras pessoas dizem. Ninguém tem nada a ver com a minha vida.

- Eu preciso enfrentar de frente as críticas e reprovações da sociedade, pois elas vão existir em qualquer circunstância da minha vida. E me deixar vencer por elas, abrindo mão das minhas convicções não vai resolver nada, e eu vou me sentir péssima.

Naquele momento eu ponderei que deveria interromper o processo de desmame, já fracassado. Mas tive uma crise pessoal, achei que me sentiria “derrotada” pela minha fraqueza se interrompesse o processo, que estaria fraquejando. Refleti alguns longos minutos sobre aquela escolha que havia sido feita baseada em conceitos tão corrompidos, que contradizia tudo o que eu acreditava. E foi aí que me dei conta que eu não estaria sendo fraca, se adiasse por um tempo o processo de desmame, eu não estaria fracassando, ao contrário, eu estaria mais uma vez vencendo as barreiras impostas pela sociedade, estaria dizendo a mim mesma que eu posso, estaria novamente acreditando em mim, na minha capacidade de superar dificuldades e na força do meu corpo de amamentar Manuela até quando nós quisermos, eu e ela e mais ninguém.

Eu entendi naquele momento, que o mais importante é não se deixar oprimir pela pressão dos outros, não permitir que o que os outros acham mude de forma tão radical às minhas opiniões. Eu entendi naquele momento que eu tinha que fazer o que era melhor pra mim e Manuela, e não o que os outros julgavam melhor. O meu melhor não necessariamente está de acordo com o melhor do outro. Eu entendi, que enquanto eu puder e quiser amamentar minha filha, eu POSSO e DEVO fazer isso, porque essa é uma escolha minha, e dela, e não de terceiros que pouco ou nada sabem das nossas vidas.
E mais uma vez, eu rompi as barreiras do preconceito, as minhas próprias barreiras, eu ultrapassei os meus próprios limites. Eu mostrei pra mim que é possível ser quem eu sou e que nada que os outros falam pode alterar meu caráter e minha conduta como mãe e ser humano. Eu entendi que embora seja uma luta amarga contra a sociedade, amamentar após os dois anos é uma tarefa deliciosa e gratificante, que me completa e me faz sentir bem.

E foi nesse momento que eu interrompi o projeto de desmame lá em casa, a missão foi abortada e sem previsão de retomada. Porque eu entendi, que hoje, o que precisamos mesmo é uma da outra e de um peito cheio de leite.

Vivia a amamentação, viva o amor em forma liquida. Viva a liberdade de escolha. Viva a autonomia da mulher sobre o próprio corpo. O corpo é meu, o seio é meu e eu vou amamentar até quando achar que devo.

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