domingo, 27 de julho de 2014

Quando minhas escolhas transgrediram minhas convicções.

Desmamar por pressão? Ou deixar que mame enquanto queira?

Há algum um tempo, eu escrevi um texto para uma campanha virtual de apoio à amamentação que se iniciou com base na denúncia de uma foto minha amamentando minha filha que eu havia publicado no facebook, na época Manuela tinha 1 ano e 11 meses.

A campanha que tomou força pela motivação das minhas amigas em defender o direito de amamentar, foi um mega “trabalho” de conscientização, que tomou proporções incríveis. Eu escrevi o texto na época, e por algum motivo não o publiquei. Não me lembro bem porque. O texto falava sobre o movimento, sobre o pudor distorcido da sociedade, sobre o preconceito contra amamentação em publico, falava sobre a importância da amamentação, das delicias que ela traz, de como amamentação prolongada (além dos dois anos) traz benefícios para a criança, tanto física quanto psicologicamente. Eu discursei “lindamente” sobre essa 8º maravilha do mundo: amamentação. E tinha bases para isso, bases científicas inclusive, de estudos sérios. Era convicta de que amamentaria sem “prazo de validade”.

Encontrei o texto por acaso, nos arquivos do meu computador, e li ele todo. Acontece que eu encontrei esse texto na hora exata, em que precisava de um “choque de realidade”, no momento em que eu mesma precisava rever meus conceitos, e resgatar minhas raízes de mãe mamífera que sou.  

É que eu andava muito confusa com a questão do desmame. Não sabia dizer se era hora ou não era. Hoje Manuela está com 2 anos e 1 mês (quase dois). E me peguei confusa sobre minhas próprias convicções, que sempre me disseram que eu deveria amamentar até quando pudesse, até quando ela não quisesse mais, até quando nós duas nos sentíssemos confortáveis. Mas, debaixo de uma pressão social, vinda inclusive de familiares muito próximos, comecei a me questionar quanto a essas convicções. E fiquei insegura com relação à minha própria escolha sobre essa amamentação prolongada. Seria essa atitude realmente prejudicial como me dizem o tempo todo? Estaria ela já grande demais para mamar no peito?

Eu realmente estava (e estou) muito cansada dos olhares reprovativos, das pessoas “boquiabertas” ao me verem amamentando uma criança grande como Manu. Até porque, ela é quase uma adolescente né? Ao auge dos seus quase 26 meses de vida, ela já pode ser considerada alguém que precisa ser independente né? SÓ QUE NÃO! Não mesmo... Mas cansa muito ter que discursar incansavelmente sobre os motivos que me levaram a amamenta-la até hoje. Cansa ter que lidar com o constrangimento que sinto cada vez que Manu quer mamar e eu estou num lugar público, ou cheio de gente em volta. Cansa muito olhar para as pessoas e vê-las com aquele olhar pasmado por verem que ainda ofereço meu seio materno à minha pequena grande bebê.

Toda essa pressão que venho sofrendo, e que vem me cansando dia após dia, foi me impulsionando a por em cheque o nosso momento mais íntimo e mais delicioso: Estaria eu, agindo corretamente, permitindo que minha filha ainda mame no meu seio?  Estaria eu sendo egoísta por não querer romper esse vínculo? Será que tá todo mundo certo, e eu errada?

As dúvidas foram tamanhas que eu cedi à pressão, minha estrutura materna abalada e fragilizada, se rendeu ao “socialmente correto”, e eu achei que tinha que desmamar Manuela. Afinal, ela já tem dois anos. Mas o meu coração não se convencia disso. Eu não estive segura em nenhum momento quando falava em desmame. Mas ainda assim, eu falava nele com autoridade, afinal de contas eu tinha que fazer isso em algum momento, e tinha que ser firme, então que fosse agora. Né?

Eu fui tentando me convencer de que aquilo era mesmo necessário, eu falava com algumas amigas mães de um grupo que participo de bebês da mesma idade da Manu (onde todos ou a maioria já foi desmamado há muito tempo), e desabafava: “Estou me preparando psicologicamente para o desmame! Preciso me preparar para ser forte, pois certamente é mais difícil pra mim do que pra ela”.

Vejam a situação, nem mesmo eu, conseguia me convencer de que estava agindo da maneira adequada. Eu me questionava como um momento tão lindo e tão prazeroso pra mim e pra ela poderia ser algo ruim. E se era, porque eu não conseguia me convencer disso?

O problema é que os filhos pequenos são o reflexo direto da mãe. As frustrações da mãe, a ansiedade, a insegurança é refletida diretamente neles, e eles reagem a isso, então não seria difícil apenas pra mim, mas pra ela também. Às vezes nem mesmo nós, “as mães” percebemos nossa ansiedade, mas nossos bebês sentem e refletem isso. (Vale ler “A Maternidade e o Encontro com a Própria Sombra” de Laura Gutman que fala sobre o assunto, e é no mínimo esclarecedor).

Em meio às pesquisas por um copo de treinamento adequado para substituir as mamadas com “leite de vaca”, meu coração ficava apertado, eu tinha vontade de gritar comigo mesma e dizer: NÃO LAÍS! Para tudo!!! Você não está agindo da maneira correta. Agora não é o momento. Nem para você e nem para ela.” Mas eu não ouvia a voz da minha razão, porque a confundia com a voz da emoção.

Segui com o plano, e comecei a negar o peito para a Manuela, expliquei que ela só iria mamar em casa e para dormir à noite. De dia não mais. De manhã tomaria leite no copinho, e a tarde quando eu chegasse do trabalho para pegá-la na vovó não iria mamar. O plano era simples, tirar as mamadas do dia, e aos poucos tirar a mamada da hora de dormir a noite. Na teoria, tudo perfeito. Queria ir com calma, para não ser um processo traumatizante. Acontece que as primeiras tentativas foram um fracasso. Ela choramingava a casa 5 minutos pedindo pelo “tetê” de manhã, e depois quando eu chegava do trabalho, mesmo que eu desviasse a atenção dela com outras coisas, e eu acabava cedendo. Martirizava depois: “Mãe mole que sou! Tenho que ser mais forte. Não posso fraquejar desse jeito”. Mas ao mesmo tempo me deliciava com ela sugando meu peito, se nutrindo do meu leite, olhando nos meus olhos e acarinhando meus cabelos.

Mas eu insisti. Num dia à noite, preparei um leite pra ela, e ofereci, ela prontamente aceitou, ama leite. Eu tinha certeza de que ela não iria pedir o peito na hora de dormir, pois estava de barriga cheia. A essas alturas, eu tinha mudado de estratégia, ia começar tirando o tetê da noite. Se tinha muito sentido ou não, eu já nem sabia mais. Mas estava determinada. Ela tomou o leite, quase todo, olhou pra mim e disse: “Agola tetê mamãe! Manu vai naná.”
Ploft... Meu mundo caiu! Meu plano ia por água abaixo, o leite no copinho não funcionou. E mais uma tentativa havia sido uma derrota. Inicialmente eu hesitei, não ia dar o peito, ia fazê-la dormir sem tetê. Masss... O meu coração me dizia que não precisava ser assim, eu não precisava sofrer daquela maneira, e nem fazê-la sofrer.

Onde estariam perdidas as velhas convicções sobre a amamentação prolongada, de que há um processo natural de desmame sem ansiedade, e sem traumas? Onde eu havia guardado a caixinha que continham informações importantes sobre como as crianças que são amadas e amparadas passam pelo processo de desmame normalmente antes dos quatro anos? Onde eu enfiei aquela frase boa que sempre usei de que tinha certeza que ela não iria mamar até os quinze anos? Quem era eu naquele momento?

Eu não era mais nada do que vinha sendo nos últimos dois anos. Eu era alguém sufocada pela ideologia social de independência precoce. Eu era alguém que havia sucumbido às necessidades da sociedade de criar seres humanos apartados de vínculo e suporte afetivo, pela ideia midiática de separação para ter independência desde recém-nascido. Eu era alguém mutilada pela pressão vinculada a ideia equivocada da sociedade moderna de que bebês tem que dormir em seus próprios quartos, e desmamar antes de um ano de idade, porque fazer diferente disso é criar adultos dependentes e mimados (oi?). Eu era uma mãe que nunca desejei ser, que estava se entregando aos poucos às mazelas da sociedade moderna e esquecendo os princípios da criação com apego à qual tanto me orgulhava de praticar. E tudo porque eu me esqueci de quem eu era, e de quem sempre quis ser, como mãe, como mulher e como ser humano.

Ser mãe nunca foi, e nem nunca será uma tarefa fácil. Longe disso. Tomar decisões que diz respeito à vida de alguém a quem tanto se ama, decisões que poderão refletir na vida dos nossos filhos para sempre, é muito difícil, é uma responsabilidade enorme. E decidir amamentar ou desmamar era um problema pra mim, eu duvidava de que era a hora, mas não tinha certeza se deveria continuar.

Mas como poderia eu discursar sobre as maravilhas da amamentação prolongadas, a qual eu tanto dou crédito e deposito esperanças, como eu iria falar sobre todas as alegrias da amamentação, se eu mesma estava sucumbido à pressão social e abandonando essa prática linda de amor? Eu não poderia mais discursar sobre o empoderamento da mulher para parir e amamentar se eu mesma não tinha esse empoderamento para enfrentar as críticas e olhares maldosos ao amamentar minha filha, se eu não tinha esse empoderamento para superar mais esse obstáculo que se impunha entre nós duas e a amamentação?

Pronto! Estava feito. Se antes eu duvidava da minha capacidade para desmamar, agora então eu duvidava da minha capacidade de interromper um processo de desmame, que desde o inicio foi um projeto falido. Eu precisava de um choque de realidade. De um empurrãozinho. Ou melhor, de um chute na “bunda” para ir para frente, e largar a mão de ser tão boba e dar importância para o que os outros falam. E ele veio. Uma amiga, a quem tenho um carinho especial, embora tenhamos pouco contato, veio falar comigo sobre outros assuntos, no chat de uma rede social. E lá pelo meio da conversa, entramos no assunto desmame. E quando eu disse a ela que estava desmamando Manuela, ela respondeu: “Pensei que você ia amamentar ela até quando ela quisesse. Porque vai desmamar agora?”.

Plaft! Eis uma tapa na cara daqueles que o autor nem tem intensão e nem sabe que está dando, mas que o “recebedor” sabe muito bem que dói, e que o manda para o mais profundo abismo, aquele abismo da dúvida da alma. Se ela dizia isso, é porque eu sempre fui firme quanto a isso. Rapidamente comecei a me justificar, e caí num desabafo sem fim, falando da pressão, dos olhares reprovativos, do quanto aquilo me incomodava e chateava. Ela, sem nem saber o bem que me fazia naquele momento com aquelas palavras, foi dizendo que eu não deveria ligar para aquilo, que eu tinha fazer o que meu coração mandava o que eu julgava melhor para mim e minha filha, porque ninguém tinha nada a ver com a nossa vida, e nem com as nossas escolhas, mesmo porque ninguém pagava as nossas contas. FATO! I-N-D-I-S-C-U-T-Í-V-E-L!
Foi então que caí em mim, e as palavras dela fizeram algum sentido. Eu precisei de um verdadeiro “chute na bunda” para entender que:

- Eu amo amamentar e não acho que agora é o momento certo para interromper isso;

- Manuela não é dependente do meu peito, e mesmo que fosse ela é uma criança de apenas dois anos, e terá a vida inteira para alcançar sua independência. Amamentar não interfere nesse processo e nem cria adultos problemáticos ou dependentes.

- Eu tenho que bancar minhas escolhas com base naquilo que eu acredito, e não no que as outras pessoas dizem. Ninguém tem nada a ver com a minha vida.

- Eu preciso enfrentar de frente as críticas e reprovações da sociedade, pois elas vão existir em qualquer circunstância da minha vida. E me deixar vencer por elas, abrindo mão das minhas convicções não vai resolver nada, e eu vou me sentir péssima.

Naquele momento eu ponderei que deveria interromper o processo de desmame, já fracassado. Mas tive uma crise pessoal, achei que me sentiria “derrotada” pela minha fraqueza se interrompesse o processo, que estaria fraquejando. Refleti alguns longos minutos sobre aquela escolha que havia sido feita baseada em conceitos tão corrompidos, que contradizia tudo o que eu acreditava. E foi aí que me dei conta que eu não estaria sendo fraca, se adiasse por um tempo o processo de desmame, eu não estaria fracassando, ao contrário, eu estaria mais uma vez vencendo as barreiras impostas pela sociedade, estaria dizendo a mim mesma que eu posso, estaria novamente acreditando em mim, na minha capacidade de superar dificuldades e na força do meu corpo de amamentar Manuela até quando nós quisermos, eu e ela e mais ninguém.

Eu entendi naquele momento, que o mais importante é não se deixar oprimir pela pressão dos outros, não permitir que o que os outros acham mude de forma tão radical às minhas opiniões. Eu entendi naquele momento que eu tinha que fazer o que era melhor pra mim e Manuela, e não o que os outros julgavam melhor. O meu melhor não necessariamente está de acordo com o melhor do outro. Eu entendi, que enquanto eu puder e quiser amamentar minha filha, eu POSSO e DEVO fazer isso, porque essa é uma escolha minha, e dela, e não de terceiros que pouco ou nada sabem das nossas vidas.
E mais uma vez, eu rompi as barreiras do preconceito, as minhas próprias barreiras, eu ultrapassei os meus próprios limites. Eu mostrei pra mim que é possível ser quem eu sou e que nada que os outros falam pode alterar meu caráter e minha conduta como mãe e ser humano. Eu entendi que embora seja uma luta amarga contra a sociedade, amamentar após os dois anos é uma tarefa deliciosa e gratificante, que me completa e me faz sentir bem.

E foi nesse momento que eu interrompi o projeto de desmame lá em casa, a missão foi abortada e sem previsão de retomada. Porque eu entendi, que hoje, o que precisamos mesmo é uma da outra e de um peito cheio de leite.

Vivia a amamentação, viva o amor em forma liquida. Viva a liberdade de escolha. Viva a autonomia da mulher sobre o próprio corpo. O corpo é meu, o seio é meu e eu vou amamentar até quando achar que devo.

segunda-feira, 21 de julho de 2014

Caso Dr. Iaperi Araújo e de sua vitima sem rosto

Doutor vítima de sua própria ignorância, faz vítima de violência obstétrica, mais uma mulher brasileira.

Semana passada, li uma notícia esquisitíssima no G1, sobre uma mulher que teria comido a própria placenta, e agredido um médico durante o parto, e depois teria saído correndo nua pelos corredores para resgatar seu filho do berçário aos berros. O interessante foi o conjunto de fatos relatados sobre o ocorrido, e o desfecho tão, como poderia dizer? Tão estranho? Talvez não seja essa a palavra, mas não encontro outra para definir a situação. Aquela notícia me causou tamanha estranheza que eu mal conseguia imaginar tal cena. Não se engane, achando que a estranheza vinha do “comer placenta”. Não não! A estranheza vinha da dúvida sobre o desfecho “favorável” à vitimização do “doutor”, que deixava claro que havia sido ofendido. (?)

Enfim... Tudo me soou tão absurdo, que fiz uma busca pelo google para ler mais “notícias” de outras fontes sobre o caso. E fiquei realmente chocada com o que li. Eu que sou ativista defensora de partos humanizados, do direito da mulher sobre o próprio corpo, fiquei realmente perplexa diante do que os meus olhos liam em cada site que relatava o caso. Perplexidade, essa é a palavra. Não conseguia acreditar que aquela versão do doutor era a verdade “absoluta”. Até porque, todos nós sabemos que:

1º A verdade sempre terá mais de uma face, na minha opinião, no mínimo 3: A de um lado, a de outro lado e a versão dos outros. Há quem diga que há uma quarta face, que seria a verdade genuína. Mas há pontos de vistas, e então, não existe verdade genuína, existe a verdade segundo o ponto de vista. Porém, nesse caso, eu acredito que uma versão, a da verdadeira vítima seja a real.

2º Sabemos que hoje, no Brasil, há índices lamentavelmente elevados de cesarianas sem indicação, as chamadas “eletivas”, bem como convivemos diariamente com cenas absurdamente trágicas e tristes de violência obstétrica. 

Inicialmente, eu só encontrei a versão do tal “doutor”, Iaperi Araújo. E de imediato, não tendo outra versão, eu fiquei abismada, e até a “imaginar” coisas que “esboçava” minha perplexidade diante do caso de uma suposta comedora de placenta que nem sequer havia feito pré-natal. Mas a essa mesma imaginação, ia e vinha em devaneios e dúvidas. Será que ela não teria mesmo feito o pré-natal? Será?

Como uma “boa ativista”, que lê muito, e já viu relatos de casos e mais casos de violência obstétrica, imediatamente, eu duvidei. Será mesmo que essa gestante, não tinha feito pré-natal? Será mesmo que a versão do “doutor” era a verdade absoluta? Será mesmo que ela o agrediu verbalmente gratuitamente, como ele disse? Todas essas dúvidas se abateram sobre mim, instantaneamente. Como se eu pudesse “sentir” que algo ali estava errado. Algo cheirava mal. Bem sabemos que, uma gestante quando dá entrada num hospital, provinda de uma tentativa frustrada de parto domiciliar assistido / planejado, a equipe médica não as recebem exatamente “bem”.


Fui lendo as notícias, me questionando constantemente sobre os dizeres do obstetra, que lamentava toda a pressão sofrida, a ponto de não querer mais fazer partos. Fiquei perplexa, aquela cena toda descrita por ele, me parecia tão chocante, que eu não podia acreditar que era real. Mas era... Embora distorcida pela visão do “profissional ferido moralmente”, que a fazia parecer surreal. Mas ao saber a versão da parturiente, a história finalmente me pareceu mais real. Do ponto de vista “espetaculoso” do “doutor” parecia mesmo coisa de cinema. Mas do ponto de vista de uma gestante que sofrera a forma mais intensa da violência obstétrica, era só mais uma quadro triste e lamentável de violência contra a mulher, e a cena deixava de ser surreal, e passava retratar de modo trágico, mais um episódio violento dentro de uma maternidade brasileira.
A minha perplexidade ao ler as notícias aumentava, e mais dúvidas rondavam a minha mente sobre o desabafo do obstetra. Aquela sensação de enorme mal entendido sobre o que devia realmente ter acontecido, e a possível incoerência na divulgação dos “fatos” feita pelo doutor em forma de desabafo em rede social me deixavam angustiada.

O que poderia ter realmente acontecido dentro daquele ambiente hospitalar? Como a parturiente deveria ter se sentido? Provavelmente acuada, amedrontada diante do improvável, do incerto, de algo que fugia a tudo que ela tinha planejado e desejado para si. Essa era a única possível explicação que me vinha à mente e que justificaria a cena narrada pelo doutor. Certamente, como boa parte de nós, adeptas ao parto humanizado, ela recebeu muita informação, da qual ela se “apoderou”, e diante de uma situação que exigia a ida durante um trabalho de parto para um hospital, certamente ela temeu que acontecesse com ela, o que ouvimos por aí que acontece dentro de ambientes hospitalares no período de trabalho de parto, parto e pós-parto com grande parte das mulheres brasileiras “violência”.

E pasmem... ACONTECEU!

Imagem retirada da internet
Ela foi violentada, no sentido mais temido da palavra. Ela foi desrespeitada, foi agredida, foi mal tratada, foi “mutilada”, debocharam dela, gritaram com ela, a intimidaram, a coagiram, a impuseram um papel de “algoz”, sendo ela a possível autora de um desfecho ruim com o filho se algo desse errado. Mesmo sendo ela a vítima na mão de algozes ferozes, que em meio à sua soberba provinda de um diploma emoldurado na parede, sentiam-se no direito de terem direito sobre o corpo dela (Direito sobre o corpo do outro?). Fizeram dela um objeto qualquer, que não poderia ter vontade própria, não poderia exigir seus direitos. E ela reagiu! Do jeito que “dava”, como ela pôde, tentando resgatar algum resto de dignidade que lhe teria sobrado, após terem lhe tirado tudo, até mesmo seu filho.


Ao adentrar aquele hospital, ela perdia ali, toda a sua autonomia, sua capacidade de mulher, de ser humano, com um corpo saudável e perfeito. Ela perdia ali, naquela maca, a sua alma, sua energia, seu orgulho, sua força. Ela fora reduzida a um objeto, e lhe tiraram o que havia de mais precioso. E não apenas isto, o doutor lhe fizera de “escudo” ao tentar justificar um erro hediondo, se baseando nas reações dela, que lutava bravamente para se defender, feito um “animal ferido”.

Como disse Ligia Sena no Blog Cienstista que virou mãe: “não interessa outra voz além da dessas mulheres - entre as quais também me incluo”. Nenhuma voz agora importa, nenhum relato desse médico que tente o inocentar terá valor, apenas a versão dessa mulher violentada faz sentido. Algo nisso tudo deu errado, e não foi ela a culpada.

Naquele momento, eu só tinha a versão do médico, e não conseguia formar uma visão ampla das coisas. Eu precisava saber mais. Mas continuava perplexa, e nem mesmo eu acreditava naquilo. E estava certa, de algum modo. A voz daquela mulher sem rosto, e sem nome, que havia supostamente corrido pelos corredores nua em busca de seu rebento, depois de não ter feito pré-natal, ter ofendido o doutor e ter comido sua placenta estava perdida, mas eu precisava ouvi-la. Aquela versão do doutor não me parecia coerente. E não era... Não era mesmo!


Vítima de seus medos, ela se entregou nas mãos de uma equipe insana, que sem tempo para respeitá-la, limitou o seus direitos a “obedecer” ordens medíocres. Por medo, ela cedeu às ameaças, à pressão psicológica e traumática, sob pena de matar ali, seu próprio filho, sangue do seu sangue, carne da sua carne. Filho esse que não foi dela, porque lá dentro, naquele ambiente inóspito, onde fora ridicularizada e sofrera as maiores atrocidades possíveis e imagináveis que uma mulher parindo poderia sofrer, lhe fora negado o direito sobre o próprio corpo, e depois sobre o próprio filho. Aquele a quem concebeu e gestou, carregando em seu ventre inundado de amor durante nove meses. Aquele a quem ela deu seu sangue, e desejou de todo o coração. Negaram-lhe que ela pudesse escolher por ele, o que era melhor, negaram-lhe o direito de escolher por ela, o que era melhor.


Eu não demorei muito tempo para encontrar num blog que sigo (cientista que virou mãe) o relato dessa mulher sem rosto e sem nome, que sofrera coisas absurdas ao tentar parir seu filho. Palavras que transbordavam tristeza, decepção, amargura e dor. Uma versão muito mais intensa e real daquela cena que me deixara perplexa, Versão que deixava claro a atrocidade à que ela fora acometida. Palavras que transgrediam as do doutor, e que relatava com exatidão toda a dor que ela ainda está sentindo, por ter sido roubada, sufocada, humilhada.


Naquelas palavras, eu me vi, vivenciando o parto da minha filha há dois anos. Onde infelizmente não tinha tanta informação quanto ela, quase nenhum empoderamento, e por isso, fiquei entregue às mãos insensíveis de um obstetra que me violentou, arrancou de mim minha filha “a ferro”, depois de ter me colocado no papel de algoz de mim mesma, sob pena de ser a responsável se algo de errado acontecesse com a minha filha. Eu não soube lutar como ela, eu não fui tão valente!
Fui coagida a tomar uma analgesia que não desejava, me senti violentada quando o doutor enfiou as duas mãos em mim para “ajudar” a minha filha a fazer a rotação para descer pelo canal de parto, fui mutilada quando me fizeram uma episiotomia sem nem me perguntar se eu queria.
De repente, naquele relato amargo, eu me vi em um retrato emoldurado, vi meu rosto no dela, e me compadeci. Senti sua dor, e chorei com ela. Lágrimas de dor, lágrimas de desespero, lágrimas de perda, de luto, de tristeza. Roubaram-nos a dignidade, os direitos, e mataram lentamente a nossa alma.


Embora numa figuração menos atuante, muito mais submissa e menos informada, coagida e sem a voz e a força dela, que mesmo diante de um dos momentos mais horripilantes de sua vida lutou bravamente, eu me vi nela, eu fui ela, e eu senti a dor dela. Ela agora tinha um rosto e um nome, o meu rosto, o meu nome, e o de milhares de brasileiras que sofrem diariamente com a hostilidade dos profissionais nas maternidades brasileiras, que são violentadas, ridicularizadas infantilizadas, ofendidas e mutiladas. 

E se no caso Adelir eu pensava que a incoerência desse sistema havia chegado ao limite, me deparo com o depoimento de um médico frio, que depois de ter destruído moralmente e fisicamente à dignidade de uma mulher, ainda desabafa em rede social a chamando de surtada comedora de placenta, e se coloca na posição de vítima. Vítima de quem doutor? Da sua própria ignorância?

Pouco me importa se ela comeu placenta*** ou não. A placenta é dela, o corpo é dela, é direito dela. Isso nem vem ao caso. O que me importa é a tamanha dor que ela sentiu e deve estar sentindo, além da dor física, a dor mais profunda, à dor da alma ferida, dilacerada, mutilada, quase sufocada e morta. O que me importa é a forma como mais uma vez uma mulher foi massacrada por um sistema arbitrário e ultrapassado de obstetrícia, como esse episódio lamentável retrata a realidade atual de tantas mulheres dentro das maternidades.

O que me importa de verdade nesse momento é poder dizer a ela, que meu coração está com ela. A minha voz também é a dela, e a minha luta é por ela. Espero que ela “se ler” isso, possa sentir o meu abraço e o meu apoio, dizendo a ela: “Você é guerreira, é um exemplo de força e não está sozinha”.

Leia aqui o relato dela: http://www.cientistaqueviroumae.com.br/2014/07/nao-ela-nao-e-uma-comedora-de-placenta.html

Leia aqui a notícia sobre o caso: http://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2014/07/1487814-maternar-mae-denuncia-violencia-obstetrica-em-hospital-particular-de-natal-rn.shtml


***Placentofagia
O ato de guardar a placenta para comer depois do parto tem crescido nos Estados Unidos. Em geral, tem ocorrido entre mulheres de classe média, brancas, casadas e com formação universitária. Os estudos científicos sobre os benefícios do consumo dessa membrana que revestem os fetos na barriga das mães não são muito vastos. A maioria dessas mulheres se baseia numa pesquisa divulgada pela revista científica “Ecology of Food and Nutrition”. Nos EUA, há até empresas especializadas em acondicionar placentas. Os estudos apontam para a presença de ferro, ocitocina e outros hormônios que ajudariam inclusive a reduzir o sangramento pós-parto.

sábado, 12 de julho de 2014

Quando ser mulher se torna um problema. E quando ter um filho é um obstáculo.

Passei um longo tempo sem poder publicar meus “pensamentos” por aqui, já que passei por uma fase íngreme de grandes mudanças. E mudanças no sentido mais literal da palavra.
Finalmente, conquistado meu espaço, meu canto, meu lar, a casa própria, um sonho financiado a alguns longos anos, mas que carrega meu nome no contrato de escritura e que posso sim chamar de MEU! Uma das melhores sensações que já senti na minha vida, foi a que senti quando peguei as chaves na mão. Impressionante como era difícil acreditar que era verdade. Sonhamos tanto, batalhamos tanto, passamos por tantas dificuldades e contratempos, que pegar as chaves do nosso sonho nas mãos era quase que surreal. Mas é real e cá estamos nós...

Mas devido à mudança, fiquei um longo e obscuro tempo sem internet, um mês inteiro. Por sorte tinha a 3G do celular, mas que infelizmente não me permitia publicar textos, já que não é de grande eficácia. Agora com tudo já estabelecido, posso retomar minhas tarefas mais apaixonantes: "maternar online” e escrever.

Eu vinha preparando outro texto para o blog, sobre outro assunto, relacionado como sempre com a “maternidade”, mas hoje, após uma conversa com uma amiga muito querida, mudei o assunto, e decidi escrever sobre as dificuldades que uma mulher com filhos encontra em outras áreas da sua vida.

Longe de mim, ser feminista, muito embora lute por causas ligadas ao feminismo, eu não posso me dizer feminista. Aliás, acho que às vezes sou até um pouco machista e antiquada. Mas há coisas nesse universo, que acontecem e não dá para passar despercebido.

Hoje, uma amiga que tem um filhinho lindo da mesma idade da Manu, veio bem chateada desabafar dizendo que havia perdido uma oportunidade de emprego porque tinha filho. Segundo ela, o dono da empresa a qual ela faria um teste, ligou pra ela dizendo que por ela ter filho não correspondia ao perfil que eles procuravam, pois um filho poderia atrapalhar no desempenho dela. (Oi?) Que situação lamentável. Quanto preconceito, quanta falta de humanidade. Então uma mulher com filho não pode trabalhar? Mas um homem com filho “tem que trabalhar”? Em pleno século XXI? Não dá pra acreditar.
Imagem do Google

Passei pelo mesmo aborrecimento enquanto procurava emprego há um tempo.  Fiz diversas entrevistas, e todos os entrevistadores ficavam empolgados com o meu currículo e com a minha experiência na área financeira, afinal eu tinha mais de quatro de experiência. E embora não tenha curso superior, dominava muito bem minhas funções na área. Mas quando eu dizia que tinha uma filhinha de um ano, o semblante dos entrevistadores “caíam”, eles faziam uma cara de: “Puxa vida! Que pena”. Pena pra eles que perderam a oportunidade de me ter como profissional. Nessas horas, a gente tem mesmo é que levantar nossa moral, e bola pra frente. Porque afinal, o problema está com eles e não conosco, porque filho não é problema é benção, e eu trocaria tudo na minha vida por ela, e não o contrário. Se não posso ter um emprego por ser mãe, então ótimo! Na verdade são eles que não podem me ter como profissional, já que sou mãe.

Nenhuma empresa das quais passei por processos seletivos, foi tão clara comigo quanto foram com a minha amiga, mas era tão claro quanto o dia, a cada resposta negativa que eu recebia que o motivo era eu ter um filho.

Em uma dessas “oportunidades”, a entrevistadora ignorou totalmente o fato de eu ter uma filha, disse que meu currículo era ótimo, e que minha experiência poderia agregar muito ao cargo disponível, pois abrangia outras áreas em que a empresa tinha deficiência “profissional”. Agendamos um teste, e quando cheguei para o tal teste, diretamente com o chefe responsável, começamos a conversar, e ele me dizia quão bem a moça do recrutamento tinha falado de mim, e quão empolgado ele estava com o meu currículo e minha experiência na área. Eu já considerava aquela vaga minha, mas...

Ele tinha em mãos um currículo meu impresso, sem anotação nenhuma, e procurava o currículo com as anotações da moça que fez o processo de seleção, enquanto conversava comigo, me perguntava o que eu fazia na outra empresa que trabalhei, como era minha rotina. Até que, finalmente ele encontrou o currículo com as anotações, e logo no cabeçalho estava escrito: Filha, 1 ano e 3 meses.

Foi impressionante como a cara do cidadão mudou na hora. Ele interrompeu a conversa: “Você tem uma filha?” Eu respondi que sim. "Mas você é tão nova pra já ter um filho né?" Disse ele. Eu respondi: "Não me acho nova não, aliás desejei muito ser mãe." 

Então toda a empolgação dele passou a ser um enorme desagrado. Ele seguiu ainda conversando comigo, sobre a minha filha, sobre com quem ela ficaria. Até que ele resolveu terminar a conversa, e dizer que naquele dia não seria possível fazermos o teste, que eles me ligariam para agendar outro dia. Na hora eu entendi que a vaga não seria minha, afinal eu tinha uma filha, e isso poderia atrapalhar a rotina na empresa. Eu já tinha passado por outras situações semelhantes antes. Confesso que no dia, fiquei bem chateada, o cargo era bom, o salário era ótimo, era perto de casa, e era a área que eu gostava. Mas logo entendi que não era pra ser, que foram eles que perderam e não eu.

Naquele dia à tarde, a moça do recrutamento me ligou e disse: “Infelizmente não vai dar certo. É que ele preferiu uma moça solteira e sem filho. Me desculpe! Seu currículo é excelente tinha certeza de que era a mais indicada à vaga. Uma pena.” Eu já esperava essa resposta. Respirei fundo, segurei a onda, e parti em busca de uma nova oportunidade. Logo encontrei. Não na minha área, mas em uma empresa muito maior, e com um chefe que não se importou se tinha ou não uma filha, tudo que ele se preocupou em analisar foi a minha competência como profissional.

Claro que já aconteceu de um dia ou outro eu chegar uns 5 ou 10 minutos atrasada por conta de um imprevisto com Manuela. Mas nunca faltei, nunca deixei de cumprir minhas obrigações como funcionária por ter uma filha. Sempre agendo as consultas dela para o último horário para não atrapalhar o trabalho, e tenho o maior compromisso em não misturar as coisas, e não deixar que a minha vida como mãe atrapalhe meu desempenho como profissional.

Mas o fato é que, infelizmente o caminho a ser percorrido aqui no Brasil para a conquista desse espaço pelo qual as feministas lutam tão arduamente, ainda é longo. É ainda mais longo o caminho na luta contra o preconceito contra as mulheres. Nós ainda temos salários 30% mais baixos que o dos homens, ocupando os mesmos cargos. Ainda somos massacradas pela sociedade e obrigadas a desempenhar funções duplas, triplas, quádruplas: profissional, mãe, esposa, dona de casa, faxineira, passadeira, lavadeira, cozinheira porque tudo isso "não é coisa de homem".

Nós ainda somos discriminadas e ditas como o “sexo frágil”. Não temos notoriedade no que diz respeito “competência” profissional. Se para um homem se tornar “chefe” numa grande empresa ele precisa só mostrar competência, as mulheres para chegar a esse cargo precisam além de mostrar competência ter mestrado e doutorado, certificados e diplomas sem fim. Nossos filhos, se torna um obstáculo quando precisamos arrumar um emprego, e engravidar trabalhando é sinônimo de correr o risco de ser humilhada e ofendida como forma de pressão para pedirmos a conta. Eu também passei por isso na minha gestação. Mas a história é longa, assunto para outro texto.

Mas o que quero dizer com esse texto, é que nós mulheres, devemos lutar contra esse tipo de preconceito mesquinho e lamentável, e não devemos baixar a cabeça e nos lamentar. Quando uma empresa se recusa a contratar uma mulher por ela ter um filho, isso prova toda a ignorância e falta de ética que se abate sobre essa “entidade”, e nos prova que não fomos nós quem perdeu a vaga, foram eles que perderam a profissional e a oportunidade.

Longe de mim, criticar ou lamentar. Só quero deixar absolutamente claro, que ser Mulher e Mãe, não está acima de ser Profissional. Porque ser profissional é importante, não é algo que seja secundário, para mim é secundário, mas para outras mulheres sua vida profissional é quase tão importante quanto ser mãe, e isso é absolutamente compreensível. Mas ser mãe e Mulher são atribuições naturais da vida, são condições e não situações, e ser profissional é algo que nos impomos e precisamos batalhar muito. Mas ser mãe nos impulsiona para sermos ainda melhor em qualquer área de nossas vidas, inclusive na área profissional, e não nos atrapalha, ao invés disso, nos ajuda.

Ser Mãe não é nem de longe um empecilho para a nossa vida profissional, só alguém preconceituoso para ter essa percepção. Todas nós sabemos que podemos conciliar essas tarefas, entre maternar e trabalhar, ainda desempenhando as demais funções que nos são atribuídas (mulher, esposa, dona de casa, etc e etc...).

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É fato que ao longo de nossas vidas como mãe, e também como mulheres e profissionais, sofreremos inúmeras formas de preconceitos, e que muitas pessoas irão nos criticar por isso ou por aquilo, seja em nossa vida como mães, mulheres ou profissionais. Seremos criticadas por trabalhar e deixar os filhos na escola, com babá ou com um parente, e seremos igualmente julgadas por deixar o trabalho para criar nossos filhos. A sociedade nunca estará satisfeita com as nossas atitudes. Mas agradar a sociedade, nem de longe passa perto dos meus sonhos mais remotos.

Como dica, digo, que nós mulheres, sendo ativistas ou não, feministas ou não, mães ou não, devemos lutar bravamente para conquistarmos em nossa vida, em aspecto pessoal e profissional aquilo que almejamos. Estarmos satisfeitas com nossas escolhas, é o segredo do nosso próprio sucesso. E se desejarmos deixar o emprego para sermos mãe em tempo integral, que tenhamos esse direito e façamos isso com excelência. Mas se o desejo ou até a necessidade, for o contrário, de precisarmos ser profissionais, que sejamos com excelência. Porque nós bem sabemos que fazemos tudo isso, e até o que que um homem faz muito bem feito, e de salto alto e batom.

Que todas as minhas queridas amigas e leitoras possam ter o orgulho de serem Mulheres fortes, desempenhando funções que as tornam ainda mais fortes e agraciadas.


Bom dia e um final de semana repleto de conquistas à todos.