Desmamar por pressão? Ou deixar
que mame enquanto queira?
Há algum um tempo, eu escrevi um
texto para uma campanha virtual de apoio à amamentação que se iniciou com base
na denúncia de uma foto minha amamentando minha filha que eu havia publicado no
facebook, na época Manuela tinha 1 ano e 11 meses.
A campanha que tomou força pela
motivação das minhas amigas em defender o direito de amamentar, foi um mega
“trabalho” de conscientização, que tomou proporções incríveis. Eu escrevi o
texto na época, e por algum motivo não o publiquei. Não me lembro bem porque. O
texto falava sobre o movimento, sobre o pudor distorcido da sociedade, sobre o
preconceito contra amamentação em publico, falava sobre a importância da
amamentação, das delicias que ela traz, de como amamentação prolongada (além
dos dois anos) traz benefícios para a criança, tanto física quanto
psicologicamente. Eu discursei “lindamente” sobre essa 8º maravilha do mundo:
amamentação. E tinha bases para isso, bases científicas inclusive, de estudos
sérios. Era convicta de que amamentaria sem “prazo de validade”.
Encontrei o texto por acaso, nos
arquivos do meu computador, e li ele todo. Acontece que eu encontrei esse texto
na hora exata, em que precisava de um “choque de realidade”, no momento em que
eu mesma precisava rever meus conceitos, e resgatar minhas raízes de mãe
mamífera que sou.
É que eu andava muito confusa com
a questão do desmame. Não sabia dizer se era hora ou não era. Hoje Manuela está
com 2 anos e 1 mês (quase dois). E me peguei confusa sobre minhas próprias
convicções, que sempre me disseram que eu deveria amamentar até quando pudesse,
até quando ela não quisesse mais, até quando nós duas nos sentíssemos
confortáveis. Mas, debaixo de uma pressão social, vinda inclusive de familiares
muito próximos, comecei a me questionar quanto a essas convicções. E fiquei
insegura com relação à minha própria escolha sobre essa amamentação prolongada.
Seria essa atitude realmente prejudicial como me dizem o tempo todo? Estaria
ela já grande demais para mamar no peito?
Eu realmente estava (e estou)
muito cansada dos olhares reprovativos, das pessoas “boquiabertas” ao me verem
amamentando uma criança grande como Manu. Até porque, ela é quase uma
adolescente né? Ao auge dos seus quase 26 meses de vida, ela já pode ser
considerada alguém que precisa ser independente né? SÓ QUE NÃO! Não mesmo...
Mas cansa muito ter que discursar incansavelmente sobre os motivos que me
levaram a amamenta-la até hoje. Cansa ter que lidar com o constrangimento que
sinto cada vez que Manu quer mamar e eu estou num lugar público, ou cheio de
gente em volta. Cansa muito olhar para as pessoas e vê-las com aquele olhar
pasmado por verem que ainda ofereço meu seio materno à minha pequena grande
bebê.
Toda essa pressão que venho
sofrendo, e que vem me cansando dia após dia, foi me impulsionando a por em
cheque o nosso momento mais íntimo e mais delicioso: Estaria eu, agindo
corretamente, permitindo que minha filha ainda mame no meu seio? Estaria eu sendo egoísta por não querer romper
esse vínculo? Será que tá todo mundo certo, e eu errada?
As dúvidas foram tamanhas que eu
cedi à pressão, minha estrutura materna abalada e fragilizada, se rendeu ao
“socialmente correto”, e eu achei que tinha que desmamar Manuela. Afinal, ela
já tem dois anos. Mas o meu coração não se convencia disso. Eu não estive
segura em nenhum momento quando falava em desmame. Mas ainda assim, eu falava
nele com autoridade, afinal de contas eu tinha que fazer isso em algum momento,
e tinha que ser firme, então que fosse agora. Né?
Eu fui tentando me convencer de
que aquilo era mesmo necessário, eu falava com algumas amigas mães de um grupo
que participo de bebês da mesma idade da Manu (onde todos ou a maioria já foi
desmamado há muito tempo), e desabafava: “Estou me preparando psicologicamente
para o desmame! Preciso me preparar para ser forte, pois certamente é mais
difícil pra mim do que pra ela”.
Vejam a situação, nem mesmo eu, conseguia
me convencer de que estava agindo da maneira adequada. Eu me questionava como
um momento tão lindo e tão prazeroso pra mim e pra ela poderia ser algo ruim. E
se era, porque eu não conseguia me convencer disso?
O problema é que os filhos
pequenos são o reflexo direto da mãe. As frustrações da mãe, a ansiedade, a
insegurança é refletida diretamente neles, e eles reagem a isso, então não
seria difícil apenas pra mim, mas pra ela também. Às vezes nem mesmo nós, “as
mães” percebemos nossa ansiedade, mas nossos bebês sentem e refletem isso. (Vale ler “A Maternidade e o Encontro com a
Própria Sombra” de Laura Gutman que fala sobre o assunto, e é no mínimo
esclarecedor).
Em meio às pesquisas por um copo
de treinamento adequado para substituir as mamadas com “leite de vaca”, meu
coração ficava apertado, eu tinha vontade de gritar comigo mesma e dizer: NÃO
LAÍS! Para tudo!!! Você não está agindo da maneira correta. Agora não é o momento.
Nem para você e nem para ela.” Mas eu não ouvia a voz da minha razão, porque a
confundia com a voz da emoção.
Segui com o plano, e comecei a
negar o peito para a Manuela, expliquei que ela só iria mamar em casa e para
dormir à noite. De dia não mais. De manhã tomaria leite no copinho, e a tarde
quando eu chegasse do trabalho para pegá-la na vovó não iria mamar. O plano era
simples, tirar as mamadas do dia, e aos poucos tirar a mamada da hora de dormir
a noite. Na teoria, tudo perfeito. Queria ir com calma, para não ser um
processo traumatizante. Acontece que as primeiras tentativas foram um fracasso.
Ela choramingava a casa 5 minutos pedindo pelo “tetê” de manhã, e depois quando
eu chegava do trabalho, mesmo que eu desviasse a atenção dela com outras coisas,
e eu acabava cedendo. Martirizava depois: “Mãe mole que sou! Tenho que ser mais
forte. Não posso fraquejar desse jeito”. Mas ao mesmo tempo me deliciava com
ela sugando meu peito, se nutrindo do meu leite, olhando nos meus olhos e
acarinhando meus cabelos.
Mas eu insisti. Num dia à noite,
preparei um leite pra ela, e ofereci, ela prontamente aceitou, ama leite. Eu
tinha certeza de que ela não iria pedir o peito na hora de dormir, pois estava
de barriga cheia. A essas alturas, eu tinha mudado de estratégia, ia começar
tirando o tetê da noite. Se tinha muito sentido ou não, eu já nem sabia mais.
Mas estava determinada. Ela tomou o leite, quase todo, olhou pra mim e disse:
“Agola tetê mamãe! Manu vai naná.”
Ploft... Meu mundo caiu! Meu
plano ia por água abaixo, o leite no copinho não funcionou. E mais uma
tentativa havia sido uma derrota. Inicialmente eu hesitei, não ia dar o peito,
ia fazê-la dormir sem tetê. Masss... O meu coração me dizia que não precisava
ser assim, eu não precisava sofrer daquela maneira, e nem fazê-la sofrer.
Onde estariam perdidas as velhas
convicções sobre a amamentação prolongada, de que há um processo natural de
desmame sem ansiedade, e sem traumas? Onde eu havia guardado a caixinha que
continham informações importantes sobre como as crianças que são amadas e
amparadas passam pelo processo de desmame normalmente antes dos quatro anos?
Onde eu enfiei aquela frase boa que sempre usei de que tinha certeza que ela
não iria mamar até os quinze anos? Quem era eu naquele momento?
Eu não era mais nada do que vinha
sendo nos últimos dois anos. Eu era alguém sufocada pela ideologia social de
independência precoce. Eu era alguém que havia sucumbido às necessidades da
sociedade de criar seres humanos apartados de vínculo e suporte afetivo, pela
ideia midiática de separação para ter independência desde recém-nascido. Eu era
alguém mutilada pela pressão vinculada a ideia equivocada da sociedade moderna
de que bebês tem que dormir em seus próprios quartos, e desmamar antes de um
ano de idade, porque fazer diferente disso é criar adultos dependentes e
mimados (oi?). Eu era uma mãe que nunca desejei ser, que estava se entregando
aos poucos às mazelas da sociedade moderna e esquecendo os princípios da
criação com apego à qual tanto me orgulhava de praticar. E tudo porque eu me
esqueci de quem eu era, e de quem sempre quis ser, como mãe, como mulher e como
ser humano.
Ser mãe nunca foi, e nem nunca
será uma tarefa fácil. Longe disso. Tomar decisões que diz respeito à vida de
alguém a quem tanto se ama, decisões que poderão refletir na vida dos nossos
filhos para sempre, é muito difícil, é uma responsabilidade enorme. E decidir
amamentar ou desmamar era um problema pra mim, eu duvidava de que era a hora,
mas não tinha certeza se deveria continuar.
Mas como poderia eu discursar
sobre as maravilhas da amamentação prolongadas, a qual eu tanto dou crédito e
deposito esperanças, como eu iria falar sobre todas as alegrias da amamentação,
se eu mesma estava sucumbido à pressão social e abandonando essa prática linda
de amor? Eu não poderia mais discursar sobre o empoderamento da mulher para
parir e amamentar se eu mesma não tinha esse empoderamento para enfrentar as
críticas e olhares maldosos ao amamentar minha filha, se eu não tinha esse
empoderamento para superar mais esse obstáculo que se impunha entre nós duas e
a amamentação?
Pronto! Estava feito. Se antes eu
duvidava da minha capacidade para desmamar, agora então eu duvidava da minha capacidade
de interromper um processo de desmame, que desde o inicio foi um projeto
falido. Eu precisava de um choque de realidade. De um empurrãozinho. Ou melhor,
de um chute na “bunda” para ir para frente, e largar a mão de ser tão boba e
dar importância para o que os outros falam. E ele veio. Uma amiga, a quem tenho
um carinho especial, embora tenhamos pouco contato, veio falar comigo sobre
outros assuntos, no chat de uma rede social. E lá pelo meio da conversa,
entramos no assunto desmame. E quando eu disse a ela que estava desmamando
Manuela, ela respondeu: “Pensei que você ia amamentar ela até quando ela
quisesse. Porque vai desmamar agora?”.
Plaft! Eis uma tapa na cara
daqueles que o autor nem tem intensão e nem sabe que está dando, mas que o
“recebedor” sabe muito bem que dói, e que o manda para o mais profundo abismo,
aquele abismo da dúvida da alma. Se ela dizia isso, é porque eu sempre fui
firme quanto a isso. Rapidamente comecei a me justificar, e caí num desabafo
sem fim, falando da pressão, dos olhares reprovativos, do quanto aquilo me
incomodava e chateava. Ela, sem nem saber o bem que me fazia naquele momento
com aquelas palavras, foi dizendo que eu não deveria ligar para aquilo, que eu
tinha fazer o que meu coração mandava o que eu julgava melhor para mim e minha
filha, porque ninguém tinha nada a ver com a nossa vida, e nem com as nossas
escolhas, mesmo porque ninguém pagava as nossas contas. FATO!
I-N-D-I-S-C-U-T-Í-V-E-L!
Foi então que caí em mim, e as
palavras dela fizeram algum sentido. Eu precisei de um verdadeiro “chute na
bunda” para entender que:
- Eu amo amamentar e não acho que
agora é o momento certo para interromper isso;
- Manuela não é dependente do meu
peito, e mesmo que fosse ela é uma criança de apenas dois anos, e terá a vida
inteira para alcançar sua independência. Amamentar não interfere nesse processo
e nem cria adultos problemáticos ou dependentes.
- Eu tenho que bancar minhas
escolhas com base naquilo que eu acredito, e não no que as outras pessoas
dizem. Ninguém tem nada a ver com a minha vida.
- Eu preciso enfrentar de frente
as críticas e reprovações da sociedade, pois elas vão existir em qualquer
circunstância da minha vida. E me deixar vencer por elas, abrindo mão das
minhas convicções não vai resolver nada, e eu vou me sentir péssima.
Naquele momento eu ponderei que
deveria interromper o processo de desmame, já fracassado. Mas tive uma crise
pessoal, achei que me sentiria “derrotada” pela minha fraqueza se interrompesse
o processo, que estaria fraquejando. Refleti alguns longos minutos sobre aquela
escolha que havia sido feita baseada em conceitos tão corrompidos, que
contradizia tudo o que eu acreditava. E foi aí que me dei conta que eu não
estaria sendo fraca, se adiasse por um tempo o processo de desmame, eu não
estaria fracassando, ao contrário, eu estaria mais uma vez vencendo as
barreiras impostas pela sociedade, estaria dizendo a mim mesma que eu posso,
estaria novamente acreditando em mim, na minha capacidade de superar
dificuldades e na força do meu corpo de amamentar Manuela até quando nós
quisermos, eu e ela e mais ninguém.
Eu entendi naquele momento, que o
mais importante é não se deixar oprimir pela pressão dos outros, não permitir
que o que os outros acham mude de forma tão radical às minhas opiniões. Eu
entendi naquele momento que eu tinha que fazer o que era melhor pra mim e
Manuela, e não o que os outros julgavam melhor. O meu melhor não
necessariamente está de acordo com o melhor do outro. Eu entendi, que enquanto
eu puder e quiser amamentar minha filha, eu POSSO e DEVO fazer isso, porque
essa é uma escolha minha, e dela, e não de terceiros que pouco ou nada sabem
das nossas vidas.
E mais uma vez, eu rompi as
barreiras do preconceito, as minhas próprias barreiras, eu ultrapassei os meus
próprios limites. Eu mostrei pra mim que é possível ser quem eu sou e que nada
que os outros falam pode alterar meu caráter e minha conduta como mãe e ser
humano. Eu entendi que embora seja uma luta amarga contra a sociedade,
amamentar após os dois anos é uma tarefa deliciosa e gratificante, que me
completa e me faz sentir bem.
E foi nesse momento que eu
interrompi o projeto de desmame lá em casa, a missão foi abortada e sem
previsão de retomada. Porque eu entendi, que hoje, o que precisamos mesmo é uma
da outra e de um peito cheio de leite.
Vivia a amamentação, viva o amor
em forma liquida. Viva a liberdade de escolha. Viva a autonomia da mulher sobre
o próprio corpo. O corpo é meu, o seio é meu e eu vou amamentar até quando
achar que devo.