Eu
realmente gostaria de entender que tipo de relação tem o ser humano com seus
princípios morais. Se é que ainda existe algum principio moral nessa sociedade
corrompida em que vivemos atualmente. Se por um lado todo mundo acha a maior
graça na “globeleza saltitante” com pinturas corporais que escondem levemente e
ineficientemente suas “vergonhas”, pulando carnaval em rede nacional, e em
horário nobre, por outro lado, as pessoas acham falta de pudor e vulgarização
da imagem feminina, mães terem seus seios expostos durante o ato de amamentar.
Difícil mesmo lidar com isso, amamentar de fato é uma difícil arte de amar.
Há
alguns dias passei por uma situação muito constrangedora, que fez eu me sentir
acuada feito um bicho que se vê diante de seu maior predador, e no meu caso, o
meu predador é justamente essa sociedade corrompida que se perdeu na caminhada
de seus princípios morais, e anda achando bonito as mulheres seminuas, pulando
carnaval e pregando a fornicação, e acham vulgar uma mãe amamentar seu filho.
Parem o mundo, que eu quero descer!
Estava
eu em um evento da igreja em que participo, num clube de campo sem muita
estrutura (diga-se de passagem), quando minha filha, de um ano e nove meses, após
brincar muito, já com sono, pediu o “tetê” para dormir. Eu sem hesitar,
procurei um lugar em que pudesse me sentar com algum conforto, e rapidamente
dei a ela o “seu tetê”, que nada mais é que o meu seio materno! Nesse momento
em uma mesa um pouco mais a frente de mim, havia três jovenzinhas tomando café,
que me observavam (eu notei), e no momento em que tirei o seio para fora e
minha bebê rapidamente o “abocanhou”, duas delas, uma com aproximadamente 20
anos e a outra talvez com pouco menos idade, levaram uma espécie de susto (não
sei bem porque, afinal peito todas nós temos ou não?), e começaram a rir
balançando a cabeça negativamente, do tipo “olha isso que absurdo!” (foi o que
eu senti). A terceira jovem, sem entender bem questionou: “O que foi? Aconteceu
alguma coisa?”. As outras duas se olharam e insistiram no riso, enquanto a
terceira, inocente, certamente com uma alma menos “nociva”, e com um pouco mais
de noção maternal, tentava entender o que havia acontecido. E eu continuava ali
imóvel e sem acreditar no que estava acontecendo ali (eu só queria mesmo
entender qual era o motivo da graça).
Nesse
momento, senti meu rosto e orelhas esquentar, e eu senti um constrangimento
enorme por aquela situação, pois entendi que elas riam de mim, e acharam
engraçado eu dar o meu seio a uma criança “grande”. Imediatamente pedi ao meu
marido uma toalhinha, e cobri parcialmente a pequena parte do meu seio que
estava à mostra, sem sufocar a minha filha debaixo daquele pano. Manuela nunca
gostou desses “paninhos” no rosto dela, e eu particularmente sempre achei
desnecessário, pois uma mãe que amamenta seu filho em público está somente
satisfazendo a necessidade de nutrir o filho e de dar amor, nada diferente
disso. A falta de pudor ou absurdo está nos olhos de quem acha algo de anormal,
engraçado ou até “vulgar” nisso, e não na mãe que dá ao seu filho, seu seio,
seu leite e seu amor.
Eu
me senti absolutamente envergonhada diante daquela situação, porque embora já tenha
lido inúmeros relatos de mães que passam por situações semelhantes ou até
piores todos os dias, e eu tenha enfrentando algum olhar de reprovação algumas
vezes no shopping, ou no supermercado, nada tinha sido ainda, tão
constrangedor, a ponto de me deixar tão desnorteada e envergonhada. Eu confesso
que sempre fiz uso da “fraldinha”, porém nunca sobre o rosto redondo e contente
da minha filha, apenas sobre o seio que ficava à mostra, muito embora eu nunca
tenha o feito concordando com a minha atitude, porque de fato, sou do tipo que
apoia inerentemente à amamentação em livre demanda e prolongada, sem
fraldinhas, afinal não há o que esconder. Mas a fraldinha me dava certo
conforto, e segurança de que ninguém me julgaria por não esconder (ou pelo
menos tentar esconder, já que Manuela sempre insistiu em tirar a fraldinha do
lugar) o que ficava visível do meu seio, o que é bem menos do que muitos
decotes que vejo por aí, ou o seio da Globeleza pintado. Enfim...
Mas
hoje, fazendo uma análise superficial do constrangimento que passei, começo a
me questionar, “porque ter sentido vergonha?” Afinal, eu não estava fazendo
nada de errado, em momento algum eu tive alguma intensão de vulgarizar, de
mostrar o meu seio a quem quer que seja e que estivesse ao redor, tudo que eu
pensei naquele momento foi em dar o meu colo, o meu seio, o meu leite e o meu
amor à minha filha que queria esse aconchego para dormir. Que mal há nisso? Que
ela tivesse três ou quatro anos, não consigo imaginar que uma criança nessa
idade tenha algum tipo de maldade ao ser amamentada, ou que essa atitude de
amamentar transmita qualquer coisa diferente de amor. Juro que agora,
escrevendo esse texto eu não consigo entender o que houve comigo naquele
momento. Talvez seja o meu passado “pré-maternidade” me cutucando.
Isso
porque (tenho que admitir), houve algum momento da minha vida, antes de eu ser
mãe (claro), que eu tive esse mesmo olhar reprovativo sob uma mãe qualquer que
amamentasse sua cria já crescida em algum lugar público. Eu sempre aprovei
amamentação, sempre achei lindo, mas quando eu via um bebê com quase dois anos
ou mais mamando no peito da mãe, eu confesso que achava meio absurdo, embora
não a ponto de “rir”, questionar, ofender ou criticar, eu simplesmente olhava e
pensava: “Nossa! Mas essa criança já está grande demais para mamar no peito”. E
hoje, esse “cuspe para o alto” caiu em cheio bem no meio da minha testa,
respingando sobre o meu olho, e maculando a minha reputação materna, pois sofri
com esse mesmo tipo de preconceito. Porque sim, esse tipo de pensamento é
preconceituoso, e é quase tão grave quanto o preconceito racial. Qualquer tipo
de preconceito é grave, seja ele qual for, e que origem tiver, é grave, e
inaceitável é horrível e é lacerante para quem comete e para quem sofre com o
preconceito. Simples assim.
Quando
em sã consciência hoje, eu olharia uma mãe com tamanho ato de amor com seu filho
e pensaria qualquer coisa diferente de: “Nossa! Que atitude linda, quanto amor
há em amamentar.”? Eu digo que “jamais”! Jamais eu atribuiria ao ato de
amamentar uma criança qualquer coisa diferente de “amor”.
Essa
situação tão estranha que vivi é muito mais comum do que parece. Há muitas
pessoas que enxerga falta de pudor no ato de amamentar em público sente-se
incomodada, ofendida, e há aqueles que ainda conseguem olhar com malícia, e com
“conotação sexual”, sensualizam o seio materno que alimenta um filho. Não dá
pra acreditar, mas acontece! A maioria das pessoas na sociedade moderna, em
especial às que ainda não tem filhos, julga que amamentação para crianças
maiores de um ano é desnecessário, é exagero, e amamentação em público é falta
de pudor. Ninguém se preocupa com a recomendação da Organização Mundial da
Saúde de “amamentar a criança com leite materno até dois anos ou mais”. Tá todo
mundo mais preocupado com o que o outro vai pensar se é bonito ou se é feio, e
atribuem à mãe que amamenta por período prolongado, digo, até mais de dois
anos, visto que até dois anos é uma recomendação de “saúde”, atribuem a essa
mãe a característica de mãe egoísta que não quer perder o vínculo com o filho,
mãe que cria uma criança mal acostumada, mimada e dependente. Como se essa
mesma criança fosse mamar no seio da mãe até a pré-adolescência, e como se ela
nunca fosse se libertar disso. É tanto absurdo que ouço e vejo que chega me dar
um nó na garganta.
Posso
afirmar sem medo, que a minha filha, ao auge dos seus 21 meses, é, para sua
idade, até independente demais, mesmo ainda mamando no peito. Ela fica o dia
todo na casa da avó enquanto eu trabalho, ela come sozinha, já faz xixi no vaso
sanitário, iniciou um desfralde natural, não precisa do meu peito para dormir
na minha ausência, brinca na terra, com o nosso cachorro e tudo o mais que uma
criança saudável faz. E tudo isso pra mim, só me dá a certeza de que ela não é
tão dependente de mim quanto eu dela (sim eu sou muito mais dependente dela), e
que o fato de eu amamenta-la não está a tornando uma criança mimada ou mais
dependente do que as outras crianças que não mamam mais no peito da mãe.
Afinal, crianças são dependentes dos pais, e isso independe de amamentação.
Tente deixar um bebê que é alimentado com mamadeira “sozinho”, sem preparar e
oferecer à ele seu alimento para ver o que acontece. A dependência vem da necessidade
de sobrevivência dos seres vivos, humanos ou não, um dia quando a “cria”
aprende a se virar sozinha, ela não mais será dependente, simples assim. Mas
isso é uma conquista gradativa, assim como o desmame é gradativo e ocorre à seu
tempo.
Cada
criança tem seu ritmo, e no seu tempo irão conquistando sua independência, sua
autonomia, e tenho certeza que leite materno não atrapalha nada disso, e não
fará parte da vida da minha filha na adolescência, porém, tenho mais certeza
ainda de que, não estamos no momento de pensar nisso. Vamos vivendo um dia de
cada vez. E se ontem, eu me senti constrangida por me deparar com uma cena de
preconceito, hoje, eu estou orgulhosa por poder falar abertamente das nossas
escolhas, minha da Manuela e do papai dela, pois nós fazemos tudo em
“conjunto”, escolhendo o melhor para nossa família, para o nosso convívio e
entrosamento diário, sempre levando em conta o melhor para o outro. E sendo
assim estamos felizes com a nossa decisão de amamentação prolongada, cama
compartilhada, e criação apegada, enquanto isso nos fizer bem.
Eu
estou prometendo para mim mesma, que da próxima vez que me deparar com uma
situação dessas, não haverá vergonha e nem constrangimento, e muito menos
paninho para esconder a nossa ligação de amor na amamentação. E mesmo sendo a
amamentação, uma difícil e doce arte de amar, eu olho muito mais o lado doce, e
deixo de lado o difícil, pois me sinto completa em fazê-la. Eu amamentarei até
quando eu e Manuela decidirmos que a amamentação não funciona mais para nós. Por
enquanto seguimos sem previsão de parar.
Porque afinal leite materno vem sempre
pronto, e não tem prazo de validade.
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