sábado, 20 de setembro de 2014

Mãe Metamorfose

Ao longo desses pouco mais de dois anos desempenhando a melhor função que já tive na vida, “ser mãe”, eu já mudei de ideia inúmeras vezes. Isso porque sou um ser humano em plena “metamorfose”. Eu penso, logo existo, e desisto também. E acho normal. Como ser humano, sendo eu um ser “pensante”, me dou total liberdade de rever conceitos e mudar de ideia sempre que considero necessário, coerente e plausível. Me permito analisar a ideia do outro, e ver se serve pra mim. E se servir uso. Se não servir, respeito. Simples assim.
Eu, que antes era uma pessoa que temia grandes mudanças, na maternidade experimentei uma das maiores mudanças da minha vida, a minha própria mudança. A transformação do meu eu interior, das minhas lógicas e filosofias, das minhas mais profundas crendices, e dos meus mais terríveis medos. Tudo isso mudou. E eu vivo em confronto diário com a minha própria sombra, revendo meus medos, repensando meus critérios, recolocando as ideias no lugar, e desorganizando tudo de novo quando me vejo diante de uma nova fase de desenvolvimento da minha filha, ou do meu próprio desenvolvimento como ser humano, como mulher e como mãe.
Eu confronto constantemente as minhas antigas concepções sobre como criar um filho. Algumas eu ainda as mantenho, eu acho, outras já vi e revi e mudei de conceito algumas ou muitas vezes.
Quando pari (ou quase pari) minha filha, eu jurava que não permitiria dormir na mesma cama, que não amamentaria por mais de 18 meses, que ia corrigir com palmadas, porque afinal fui educada assim e não morri me tornei alguém descente. Né?
Não! Eu me tornei alguém descente porque levei palmadas pouquíssimas vezes na vida, e mal me lembro delas, aliás, só me lembro de uma única vez. E não! Eu não morri, mas de fato entendi que não estou aqui para criar sobreviventes. Assim como meus pais não me criaram, à mim e meus irmãos como sobreviventes de uma espécie que está sucumbindo às mazelas de uma sociedade corrompida e ultrapassada, eu também não pretendo criar a minha filha como uma simples sobrevivente.
Eu fui amparada pelo colo e afago da minha mãe e do meu pai sempre que precisei. Eu me lembro de uma infância feliz, cheia de risos e sorrisos. De me esconder dentro do guarda-roupa e quando meu pai me encontrava, ele ria comigo e não me “corrigia” com palmadas. Ele me pedia para não amassar muito as roupas e só. Era ele mesmo quem me colocava no maleiro do guarda-roupa, e fechava as portas e ia mandar minha mãe me procurar. E ela se fingia desesperada: “Cadê ela? Meu Deus ela fugiu?” Era a maior diversão. Meu pai era meu cavalinho, meu avião, meu super-herói. Minha mãe minha amiga, minha vizinha, a médica das minhas bonecas, a caixa do supermercado e a avó que vinha visitar as netas na minha casinha de bonecas. Ah! Eles eram também meus arquitetos que construíam cabaninhas de lençóis e cabos de vassouras incríveis. Meus pais foram bons pais. Eles são bons pais.
Tenho poucas lembranças de cenas onde eu era corrigida de forma violenta, com gritos e torturas emocionais. Lá pela adolescência, a coisa desandou um pouco, minha mãe esteve doente, e isso feriu um pouco nosso relacionamento. Mas águas passadas e feridas fechadas. A infância em si foi uma grande aventura. E se me tornei alguém de bem, é porque fui amada e amparada, e não porque recebi palmadas em algum dado momento da minha infância.
Mas eu, ainda assim, tinha em mente aquela ideia fixa: “dar palmadas para corrigir e educar!”. E por quê? Porque há uma imensa necessidade de aceitação. E a sociedade só aceita pais rígidos. Aqueles que dão muito colo e muito afeto são vistos como “mimadores”, que estragam os filhos e criam adultos dependentes e problemáticos. E eu passei a perceber que a coisa não é bem assim. Eu realmente não conheço nenhum bandido que tenha tido uma infância repleta de amor e acolhimento. Criar com amor estraga? Acho que não.
E mal Manuela nasceu e eu já comecei a mudar meus conceitos. A cama compartilhada, o que pra mim era algo desnecessário e abominável, ferramenta de uma dependência preocupante, passou a ser parte da nossa vida de maneira espontânea e muito agradável. Aos poucos, Manuela ganhou seu espaço conosco e lá permaneceu, até… Até quando ela precisar disso e nos sentirmos bem assim. A amamentação, bom, são quase 27 meses e sem previsão de desmame.
E sobre a palmada? Eu não precisei dar uma palmada para sentir que ela pode doer muito, até mesmo em mim e ferir uma alma muito mais do que fere a pele. A dor da minha filha sempre doeu em mim, e se dói em mim, é porque nela a dor deve ser muito maior.
Foi assim que eu comecei a repensar isso. Lendo relatos, histórias, artigos e matérias sobre disciplina positiva que eu fui aos poucos mudando de opinião. Até que um dia, ela, ao auge dos seus dois anos, se negou a recolher os brinquedos do chão: “NÃO!” Redondo, cheio de si e de ego. Eu, claro, fui me irando a cada não que recebia. E perdi a linha. Falei alto com ela.Eu gritei com ela. E ela, chorou. Chorou muito, profundamente, dolorosamente, sentimentalmente, como se eu a tivesse espancado, mas não apenas ao seu corpo físico, mas também o mais profundo de sua alma.
Ela chorou, e eu chorei também. Por desespero, por arrependimento, porque sabia que não precisava ter feito aquilo, porque eu percebi que a feri, porque tinha consciência de que eu era seu porto seguro e falhei, e a afastei de mim. Quando tentei abraça-la, ela prontamente me abraçou, para minha doce surpresa. Crianças sempre perdoam mais prontamente. E em meio aos soluços do choro doído, acarinhou os meus cabelos e disse: “Desculpa mamãe”. Mas quem devia um pedido de desculpas era eu. Eu provei na minha pele a dor da minha própria ira porque ela feriu alguém a quem eu amo mais do que à mim mesma. Eu chorei por longas horas, mesmo depois de ela ter parado de chorar e voltado a brincar. Eu chorei por dias. Na verdade ainda choro quando me lembro do terrível erro que cometi quando gritei com ela.
Daí por diante eu comecei a buscar mais e mais informações sobre como educar sem violência. E aplicando a disciplina positiva, vi que ela dá muito mais resultados, e Manuela responde melhor a ela do que aos gritos opressores. Eu entendi que não preciso conservar os velhos hábitos, a tradição passada pela sociedade de que bater para educar é bom. Eu aprendi que amar é mais válido, que acolher dá mais resultado, que incentivar tem maior efeito. E mais uma vez eu me permiti mudar. Mudar de ideia, de opinião e de ação. Para satisfazer uma necessidade pessoal de criar minha filha com respeito.
Eu venho mudando constantemente desde que nasci. Mas, mais vigorosamente com a maternidade. E me sinto bem assim, mesmo que às vezes fique perdida, mesmo que perdendo amizades. Não importa. É renovador. Mudar pode ser assustador, mas é necessário. E faz bem! 
Ser mãe me trouxe a incrível experiência de autoconhecimento e auto aceitação. Eu ainda não sei bem quem sou, mas sei quem quero ser. Alguém em constante mudança e adaptação, buscando sempre ser o melhor que consegue. Se não por mim, por ela, que é a razão da minha existência.
A maternidade me libertou do comodismo e do politicamente correto para vivenciar integralmente a maior e melhor experiência da minha vida.

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