segunda-feira, 5 de maio de 2014

Quando o movimento é confundido com a causa, e quando isso se torna um problema.


Confundindo ativista com desordeira e preconceituosa. Ou: “Não sou menos mãe porque não tive um parto normal.”


Nessa minha recente inserção no universo de ativismo em prol de uma assistência ao parto mais “descente” e humanizada, e em favor de partos naturais, eu me deparo constantemente com pessoas que definitivamente não compreendem a nossa luta incansável para a melhoria do sistema de saúde brasileiro no que diz respeito à assistência ao parto e saúde da mulher (mas também melhorias no sistema de saúde em geral, já que todo o sistema de saúde brasileiro é lamentável). E essa incompreensão é tamanha, que nos coloca sob pena de sermos confundidas com desordeiras que apregoam ideias ofensivas contra as mães cujo passaram por uma cirurgia de extração fetal e que vão até as últimas consequências para conseguir um parto normal sob quaisquer circunstancias, parindo feito "animais" (é isso que já ouvi!). E isso, tenho que confessar, me tira do meu centro de equilíbrio, me irrita e até, me magoa. Sim! Me magoa, porque algumas dessas pessoas que confundem a minha luta em favor de melhores condições para o parir, com uma luta sem contexto e sem pretextos contra cesarianas, são pessoas a quem prezo muito, e tenho um carinho particularmente especial. E definitivamente não gente... não é nada disso!

Não há uma luta contra pessoas que fizeram algumas escolhas particulares ou simplesmente foram submetidas à elas, esse ativismo, essa luta, essa militância é contra um sistema sustentado por tabus, por mentiras, por uma sociedade tecnocrata e corrompida pela indústria do nascimento.

Diante de todas essas confusões, sinto-me na necessidade de esclarecer alguns pontos sobre esse meu ativismo incansável, que me leva diariamente a ler, escrever e compartilhar ideias, estudos, matérias, relatos à respeito do assunto: Partos no Brasil e no mundo.

Coisa essa, que faço com certa frequência: explicar que luto em favor da saúde da mulher, de melhores condições para uma assistência ao parto digna e respeitosa, luto em favor do respeito à autonomia sobre o próprio corpo, e nunca, jamais, em hipótese nenhuma há uma luta contra mulheres que passaram por uma cesárea. Não partem de mim críticas ou ofensas contra elas, não há intenção de ofender as mulheres cujo, por algum motivo, seja ele qual for, tenham passado pela cirurgia cesariana. Mesmo porque tenho amigas muito queridas que passaram por essa cirurgia, a minha mãe passou por ela três vezes. Como eu poderia ter algo contra a minha própria mãe que me trouxe ao mundo através dessa cirurgia?

Eu confesso, que embora me sinta bem ao explicar essa questão quantas vezes forem necessárias, pois isso é parte inerente da minha vida, as vezes me desagrada ter que explicar uma coisa que deveria ser tão óbvia, e sabe-se lá porque motivo, a maioria das pessoas que não se enquadram no movimento ou não simpatizam com ele, recusam-se a compreender.

É inegável que toda ativista, ou a maior parte delas, em algum momento no início de sua "carreira" tenha perdido a linha algumas, ou muitas vezes. Eu não nego que já me peguei em uma discussão sem fundamento e sem sentido confundindo a causa com o movimento. Mas essa fase obscura passa, a gente começa a refletir, e colocar as ideias no lugar, e a compreender, que essa é uma luta por um bem maior, e não uma luta pessoal para defender tipos de parto. A luta defende a saúde da mulher, defende um modelo obstétrico de qualidade, que respeite a mulher como dona de seu próprio corpo e ponto final. Não há e não deve haver uma luta contra tipos de vias de nascimento. E nós ativistas, entendemos isso. Não parte de nós (ou pelo menos da grande maioria das ativista que conheço), ofensas ou afirmações escusas contra mães que tiveram partos cirúrgicos.

Deixa-me arrematar: de mim nunca partiu, em momento algum a afirmação absurda, sem fundamento: “quem faz cesárea não é uma mãe completa!” Esse tipo de afirmação não faz parte da minha filosofia, do meu pensamento, tão pouco caracteriza o meu ativismo, e quem o faz, na minha humilde opinião não tem NENHUMA ligação com o ativismo consciente ligado à assistência ao parto. Ok?

Vamos entender que, a via de nascimento de um filho não caracteriza mãe, não é um termômetro que mede sua “frequência” em sua função como mãe. Via de parto não mede amor, não determina cuidados, não inferioriza ninguém, e muito menos eleva. Via de parto é só via de parto, não há relação dela com amor materno. Portanto não há necessidade de afirmar "não sou menos mãe" por isso ou por aquilo, porque de fato não é. Não existe menos mãe ou mais mãe. Ninguém disse isso, eu pelo menos nunca vi.
Eu vejo que essa confusão de ativismo contra um sistema falido com ativismo contra cesárea é tão danosa para o nosso “movimento”, quanto o próprio sistema ao qual lutamos contra, porque perdemos possíveis adeptas que poderiam contribuir para a mudança desse quadro lamentável da atual obstetrícia brasileira, e tudo por falta de esclarecimento. Tudo porque se confunde o movimento com a causa, tudo porque distorcem a causa, porque nos limitam a à ela, como se ela fosse nosso único foco.



Vamos esclarecer, a causa é sim o número assustador de cesarianas feitas no Brasil, e o índice elevadíssimo dessas cirurgias que nos leva a “amargar” a primeira colocação no ranking mundial de cesarianas, sendo de 50% no geral, chegando a 90% na rede particular de saúde, contra os 15% recomendado pela Organização Mundial da Saúde, 5% no Japão e 10% na Holanda. 

Temos que mudar o foco, e olhar para o real motivo, o que realmente impulsiona o ativismo em favor do parto normal. Não se trata apenas de uma preferência por esse ou aquele tipo de parto, trata-se de um bem maior, bem este que é em favor de todas as brasileiras. É uma luta em favor de todas as mulheres brasileiras, e não apenas em favor das adeptas dos partos naturais.

O Brasil, amarga também índices elevados de mortes maternas, sendo de 56 mortes para cada 100 mil nascidos vivos, enquanto em países desenvolvidos como o Japão é de apenas 5 mortes para cada 100 mil nascidos vivos, Holanda 6 mortes e Estados Unidos 12 mortes para cada 100 mil nascidos vivos. Diferença pouca né? (Fonte: Consulte aqui)

Se ponderarmos que o índice de cesáreas é 10 vezes maior no Brasil com relação ao Japão e que esse número é igualmente elevado com relação à morte materna, talvez consigamos perceber que há algum problema aqui, e não estamos falando apenas das cesáreas mal indicadas. Esses índices elevados de morte materna, não reflete apenas o problema que enfrentamos hoje com as taxas de cirurgias cesarianas ultrapassando os 50%, esse índice reflete a precariedade que ainda temos no atendimento às gestantes, à falta de uma assistência de qualidade durante o pré-natal, pré-parto, parto e também pós parto!

Nós não estamos falando apenas de cirurgias que podem colocar a vida da mãe e do bebê em risco quando mal indicada (enquanto deveriam apenas salvar vidas diga-se de passagem), estamos falando que há muitas mulheres morrendo ainda, por falta de uma assistência de qualidade. O problema não é a cesárea minha gente, o problema é a saúde pública brasileira, é a assistência ao parto, ela é inadequada. E a nossa luta é para mudar esse quadro. Deu pra compreender?

Se tivéssemos uma saúde de qualidade, com médicos conscientes que dispusessem também de condições adequadas para se trabalhar com dignidade, certamente os índices de mortalidade materna cairiam e muito. E cairia também, esse índice vergonhoso de cesarianas, pois a grande maioria das mulheres que desejam um parto normal receberia apoio quando se tratando de uma gestação de baixo risco, e não teriam que lidar com toda a pressão do seu obstetra para fazer uma cesárea, justificada por um mito qualquer.

Com uma assistência adequada, não haveria tanto o que se temer num parto normal, essas histórias malucas que todas conhecemos bem, de bebês que morreram no parto, de mães que foram humilhadas na maternidade durante o trabalho de parto (violência obstétrica) dentre outras tantas, seriam apenas contos do passado, que não afetariam a confiabilidade da assistência ao parto. Com uma assistência adequada, não haveria tanta indicação duvidosa para cirurgias cesarianas, e com uma assistência de qualidade, as mulheres não precisariam temer pela vida dos filhos, no que diz respeito às dúvidas sobre se o que o médico diz é verdade ou é mentira, porque numa assistência médica adequada e de qualidade, não haveria mitos para sustentar um sistema falido de assistência obstétrica.

Portanto, é contra esse tipo de coisa que nós lutamos! Contra os mitos, contra o sistema, contra a incoerência médica, contra a violência obstétrica. Lutamos por uma saúde pública mais descente, mais digna, por uma assistência à gestante de qualidade, pelos direitos da mulher. Lutamos para que mais mulheres tenham voz no momento mais importante de suas vidas, lutamos para que elas não sejam oprimidas nesse momento, não sejam ridicularizadas, infantilizadas e diminuídas, e para que não sofram violência num dos momentos em que elas se encontram mais frágeis e vulneráveis, lutamos para nós mulheres possamos ser donas dos nossos corpos. Lutamos para que mais mulheres possam ter coragem de assegurar seu desejo de parir com respeito e dignidade, para que mulheres não sejam mais enganadas por aqueles que deveriam lhes prestar todo o esclarecimento necessário à cerca de um parto. Lutamos para que a realidade do Brasil mude no que diz respeito à assistência obstétrica e à saúde da mulher. Lutamos para que as mulheres possam ser respeitadas acima de tudo.

Não há uma luta iminente por partos normais sob quaisquer circunstâncias (nós sabemos que há circunstâncias em que um parto precisa de intervenções, e que isso fique claro), tão pouco, há uma luta contra a cesárea ou contra quem opta por ela. Cesariana é uma cirurgia que salva vidas, e quando bem indicada, ela deve ser "louvada”. Nós, entendemos antes de qualquer ativismo, que a vontade da mulher deve ser respeitada, isso caracteriza também a voz desse ativismo. Então se uma mulher opta pela cesariana de forma consciente e bem informada, assumindo todos os seus riscos, e pesando riscos x benefícios, nós respeitamos isso, antes de qualquer preferência por um parto natural humanizado.

O problema, é que a maior parte das mulheres não opta pela cesárea, se quer tem toda essa consciência sobre os riscos que ela pode oferecer, elas são induzidas a isso, e na maioria dos casos, sem motivos reais, sob argumentos médicos sem fundamento e sem embasamento.

Converse com mulheres que passaram pela cesárea, mesmo aquelas que de certa forma defende a cirurgia, e pergunte à elas o motivo pelo qual passou pela cesárea. As respostas são relativamente sempre a mesma, a maioria começa com o discurso mais ou menos assim: “Eu queria um parto normal mas...”, e o que completa a frase é um mito qualquer que o sistema sustenta, do tipo circular de cordão, bebê grande, bebê pequeno, aumento de liquido, não teve dilatação, posição pélvica. E isso não pode continuar acontecendo, mulheres sendo enganadas porque os médicos não dispõe das mesmas condições para conduzirem um parto normal, já que o que recebem por uma cesárea que dura cerca de 2 horas, é o mesmo que ele receberia por um parto normal, que dura cerca de 12 horas ou mais.

Nós compreendemos também que, "reensinar" os obstetras a conduzirem partos naturais sem intervenções, e os incentivar (financeiramente falando), à realizar esse tipo de parto ajudaria a mudar essa realidade, afinal para os profissionais, o buraco também é mais embaixo. Embora, seja lamentável que por “dinheiro” ou por simplesmente terem desaprendido a conduzirem partos normais, esses mesmos profissionais estejam enganando mulheres todos os dias em seus consultórios.

É contra esse tipo de incoerência ao qual lutamos, e não contra escolhas particulares. Nós lutamos em favor de uma melhoria no sistema de saúde brasileiro, em favor de uma assistência ao parto digna. E é preciso que isso seja compreendido, afinal, todas somos mulheres, todas somos humanas, e todas deveríamos ter a mesma voz ao nosso favor!

Que fique esclarecido afinal, que esse ativismo que se vê por aqui e por aí, em favor de partos humanizados e em favor de melhorias na assistência ao parto, não luta apenas pela "minoria" (infelizmente) que busca por uma parto normal humanizado, esse ativismo luta por você MULHER! E por nós MÃES!!!

Leituras interessantes:

Quer um parto normal? Quer fugir da violência obstétrica? Três novas iniciativas vão te ajudar.(Cientista que virou mãe)

Dez sinais de que você se tornou (ou está se tornando) uma ativista do parto humanizado (Caderninho da mamãe)

Um comentário:

  1. eu acho q a crise do "menas main" se dá por uma simples questão de má interpretação textual. a maioria dos comentários q vejo em páginas de ativismo do PH que traz algum tipo de comparação é com a mulher que ela era antes do parto e a que ela é hj: "me sinto mais forte, empoderada, feminina, corajosa, etc". a pessoa já tá na defensiva e lê um "que vc, sua frouxa, que ficou com medinho de sentir dor" no final da frase, mas isso tá nos olhos de quem leu já com a ideia de que o ativismo é contra a mulher (já tem tanta coisa contra q acho q toda mulher nasce na defensiva), qdo, na vdd, é contra o sistema obstétrico brasileiro (ou a parcela dele que naturaliza a cesárea).
    já vi, hj mesmo, pra dizer a vdd, uma pessoa comentando algo como "cesárea é pras fracas". isso é babaca e infantil. pra quem tá se descobrindo enganada pelx profissional em quem ela depositou toda sua confiança e a vida de seu bebê, soa muito pior do que já é. o lado bom é que é minoria esse tipo de comentário, ao menos nas páginas que frequento.


    se me permite uma correção, notei pelo menos duas vezes uma utilização errada do pronome cujo (na vdd era pra usar o pronome relativo que, nas duas ocasiões). ele só deve ser usado pra expressar relações de posse: a menina cuja casa é amarela; o médico em cujo trabalho muitos confiam; pessoa com cujas atitudes concordamos.
    assim: ideias ofensivas contra as mães QUE passaram por uma cirurgia;
    não há intenção de ofender as mulheres QUE, por algum motivo, seja ele qual for, tenham passado pela cirurgia cesariana.

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